Quando me perguntam o que eu acho mais difícil, ser psicoterapeuta de adultos ou de crianças, tenho a resposta na ponta da língua: psicoterapeuta de crianças, claro!
(Mas quem diria? Crianças são muito mais fáceis de lidar! Será???? E deve ser bem divertido também...! Sempre???)
Como psicoterapeuta com longa experiencia na clinica com crianças, adolescentes e adultos, não tenho duvidas em afirmar que a clinica de crianças constitui-se em um dos maiores desafios para o psicoterapeuta, pois suas especificidades demandam que. além de um profundo conhecimento teórico a respeito do ser humano e suas formas de desenvolvimento, ele esteja totalmente disponível para sair de sua zona de conforto apoiada na racionalidade, nos preceitos técnicos e no uso da linguagem verbal.
(Será tão fácil assim sair da zona de conforto???)
A clinica com crianças, particularmente sob a ótica da abordagem que utilizo - a Gestalt Terapia - convida o psicoterapeuta a usar a linguagem lúdica em detrimento da linguagem verbal, a utilizar o corpo inteiro em movimento e gestos em detrimento das palavras e a olhar a criança como parte de um todo mais amplo que é a família, instituições e cultura da qual ela faz parte.
(Temos pelo menos 2 desafios aí:"falar" em uma linguagem que não é a nossa, a "de adulto" e lidar com as diversas pessoas que cercam a criança e que contribuem para a manutenção de suas dificuldades...)
Muitos psicoterapeutas iniciantes ( e não só eles...) experimentam sentimentos que vão de um verdadeiro pavor a um leve incomodo ao começarem a trabalhar com crianças. Outros nem cogitam a possibilidade de atuar junto as crianças, por considerarem tal clinica difícil ou frustrante.
("Não consigo me comunicar com a criança"; "Os responsáveis retiram a criança da psicoterapia" ; etc)
Porém, a maioria que vence a resistência e envereda pelo caminho da infância e suas questões, muitas vezes incorre em particularmente 3 erros mais comuns e que podem ser mortais, ou seja, podem colocar todo o trabalho por água abaixo!
E quais seriam esses erros?
- CONVERSAR
- IGNORAR A IMPLICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS
- USAR TÉCNICAS SEM CONTEXTO
Que fique estabelecido aqui, agora e sempre: crianças não gostam de conversar. Quanto menos idade a criança possuir, mas certeira é essa afirmação. Particularmente se o "conversar" em questão é uma série de perguntas realizadas por um adulto que quer falar de algo sobre o qual a criança não quer falar, com palavras que muitas vezes ela não entende e exigindo dela recursos cognitivos e linguisticos que ela não possui.
É importante lembrar sempre que a capacidade verbal é algo que está em desenvolvimento nas crianças e, portanto, não é o seu "forte".
Dizer para uma criança que ela vai ao psicoterapeuta para conversar acaba resultando em crianças que chegam a terapia e reproduzem o discurso dos pais, como papagaios, e tão logo se livram de tal "tarefa", cortam o assunto e tentam fortemente fazer outra coisa que não seja falar sobre isso,o que muitas vezes aparece sob a forma de "não sei" variados ou de silêncios solenes diante das insistentes perguntas e tentativas do psicoterapeuta de sustentar a conversa.
A insistência nesse tipo de interação geralmente resulta em crianças absolutamente resistentes na relação com o psicoterapeuta, por vezes inclusive se recusando vir a sessão terapêutica, ou então a "crianças-robôs" , boazinhas, que fazem o que o psicoterapeuta quer, reproduzindo sua forma básica de lidar com os adultos fora da terapia, sem que nenhuma transformação efetiva aconteça no processo terapêutico
Se é certo que crianças não conversam como adultos, sabemos também que elas tem como prioritárias um outro tipo de conversa: a conversa lúdica.
Crianças "falam", conversam, se expressam, se mostram e comunicam através de suas formas de brincar e jogar. A linguagem lúdica é a forma primordial das crianças se relacionarem com o mundo e assim precisa ser também na psicoterapia.
Portanto, para conversarmos com a criança, precisamos nós, os psicoterapeutas, mudar a "chave" da forma de comunicação. Somos nós que vamos encontra-la na sua linguagem lúdica, da fantasia e do jogo. E não ao contrário....
E o segundo erro mortal?
Esse é clássico e fatal. Talvez o mais fatal de todos. E certamente o mais conhecido de todos os psicoterapeutas de crianças.
É o IGNORAR A IMPLICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS na eclosão e manutenção dos sintomas e dificuldades apresentados pela criança.
(Mas Luciana....não são eles mesmo que levam a criança? os sintomas não fazem parte da queixa dos pais?? como eles poderiam estar colaborando para isso...???)
A resposta é: eles não sabem que estão implicados!
E nossa tarefa é mostrar isso para eles....
Uma criança não é um ser que nasce e se cria dentro de uma bolha estéril. Ela faz parte de um campo de forças relacionais que interagem e se afetam mutuamente o tempo inteiro. O que equivale a dizer que a forma como a criança se apresenta nesse momento, com tudo que ela tem, é fruto dessa interação ininterrupta com seu ambiente, que inclui naturalmente as pessoas mais próximas e suas experiencias relacionais em todos os contextos que frequenta e experimenta.
Em outras palavras, todas as formas de ser e estar no mundo que a criança desenvolve (satisfatórias ou não) são construídas em função dessas relações, o que significa que muitas vezes as crianças estão, com seus sintomas, reagindo a situações e relações que por elas são vivenciadas.
Os adultos envolvidos na situação, na maioria das vezes não se dão conta de como contribuem para a questão apresentada pela criança; são "pontos cegos" que cabe ao psicoterapeuta identificar e apontar.
Se não fizermos isso, corremos o risco de trabalhar em prol de um objetivo enquanto os responsáveis, inadvertidamente, sem perceberem, puxam para o lado contrário.....e, dessa forma, a psicoterapia da criança não tem resultados satisfatórios, algo fica "emperrado", impedindo a mudança.
Uma outra consequência de tal erro, é que se não trabalhamos a implicação dos responsáveis nos comportamentos e sintomas apresentados pela criança, no momento em que a psicoterapia começa a possibilitar que a criança transforme seus comportamentos, esses mesmos responsáveis se ressentem da mudança e começam a perceber a psicoterapia como algo ameaçador ou que esta "piorando" a criança.
Isso se dá porque nem sempre a criança muda da forma como os responsáveis desejam ou muitas vezes tais mudanças deixam em aberto necessidades, dificuldades e "feridas" dos mesmos, que antes eram mascaradas pela "doença" da criança.
Por isso é fundamental que ao trabalharmos com uma criança, JAMAIS deixemos de acompanhar os responsáveis ao longo do processo terapêutico, para auxilia-los a enxergar sua participação na questão da criança, por um lado, e a lidar com as mudanças que forem acontecendo, por outro.
Se assim não o fizermos, corremos o sério risco de amargarmos uma série de processos terapêuticos interrompidos "do nada" e nos encontrarmos em situações onde a interferência dos responsáveis é tão grande que não nos permite trabalhar.
Sendo assim, precisamos substituir o foco NA CRIANÇA pelo foco NAS RELAÇÕES que ela estabelece.
E, por fim, o terceiro erro mortal....
Quando falo de USAR TÉCNICAS SEM CONTEXTO, estou falando de psicoterapeutas que, para se assegurarem que estão fazendo o melhor em sua atuação, fazem inúmeros cursos, leem uma serie de livros, compilam técnicas e mais técnicas ( e nem sempre elas combinam entre si.....) e preenchem a sessão terapêutica com uma serie de "atividades", sem levar em conta o desejo da criança e aquilo que ela mesmo aponta e que surge espontaneamente na sessão.
Usada dessa forma, toda e qualquer técnica torna-se um exercício, uma atividade "aplicada" a situação terapêutica sem que o fluxo possível da criança seja respeitado, fazendo da relação terapêutica algo bem parecido com todas as outras relações que a criança estabelece fora da terapia, a saber, relações verticais, onde existe sempre uma autoridade que sabe o que é melhor para a criança, que decide o que ela vai fazer e como vai fazer, que escolhe o que deve ser investigado, trabalhado, melhorado.
O resultado disso é muitas vezes uma criança que se recusa a fazer as coisas propostas pelo psicoterapeuta, simplesmente porque esse não é o seu foco, sua energia não está ali, o seu caminho para chegar as suas questões e dificuldades não é esse.
A unica coisa que o psicoterapeuta consegue é resistência e desconfiança, por vezes travando uma "batalha" com a criança e, com isso, perdendo completamente o proposito da psicoterapia que deveria ser o de acolher a criança tal como ela se apresenta e acompanha-la no desdobramento de seu mundo interno, seus padrões e suas formas habituais de se relacionar, no tempo de cada uma, na linguagem lúdica, e a partir daquilo que a criança escolhe fazer na sessão terapêutica.
Em algumas outras situações a criança simplesmente faz o que é pedido, mas sem nenhum engajamento, sem nenhuma energia e, portanto, sem abrir possibilidades para uma real transformação. Pelo contrário, a criança "boazinha", reproduz seu padrão relacional submisso, sua dificuldade de efetuar escolhas e de dizer "não" para aquilo que não serve para ela ( o que certamente ela faz também fora da terapia ) e com a ajuda do psicoterapeuta!!!!
Mas ai você pode me perguntar: e como usar as técnicas então?
As técnicas para auxiliar a criança a se conhecer mais e construir novas possibilidades de ser e estar no mundo tem o seu lugar, mas precisam obedecer o critério máximo: a orientação da própria criança, daquilo que ela escolhe e aponta como possível na sessão terapêutica, o que significa dizer que utilizamos técnicas dentro do contexto que a criança nos traz, tanto em termos de recursos lúdicos escolhidos como de assuntos a serem abordados e jamais impomos qualquer atividade ou recurso sem que ela tenha se engajado inicialmente e por livre escolha na proposta.
Sendo assim, precisamos substituir o USO DAS TÉCNICAS SEM CONTEXTO e trazidas a priori, pelo acompanhar as crianças em suas escolhas e USAR AS TÉCNICAS PARA EXPANDIR, DESENVOLVER E ESMIUÇAR o que está sendo trazido pela criança.
Se ficarmos atentos a esses 3 tópicos:
- Estabeleceremos um vinculo forte de confiança e aceitação com a criança, pré requisito básico para que ela deixe que entremos no "seu mundo"
- Ganharemos a confiança e colaboração dos adultos que cercam a criança, agilizando o tempo do processo terapêutico e garantindo mudanças mais expressivas e significativas para a criança e os adultos envolvidos.
- Eliminamos drasticamente a chance de interrupções precoces e abruptas do processo terapêutico.
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