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06 junho 2013

GT com crianças: TDAH, diferenças culturais e abordagem holistica do ser humano



O sujeito que diagnostica, o faz a partir de seu fundo de experiências, que engloba não só seu conhecimento teórico-técnico-cientifico como suas crenças, valores, preconceitos, mergulhado totalmente numa cultura que o perpassa e que também o constitui. Assim, a atribuição de sentido que o diagnóstico clássico confere, depende de quem olha.
 
Desde que o mundo é mundo o normal e o anormal foram definidos de muitas formas e, assim, em cada época, sociedade, cultura, teremos sempre o "desviante"  da vez.
 
Faz tempo que trago esse tipo de indagação tanto para minha prática clínica quanto para minha tarefa de transmissão de uma abordagem de trabalho psicoterapêutica. Há anos vejo desfilarem diagnósticos "da moda" ou ainda diagnósticos "epidêmicos", como se de repente uma grande parcela da população fosse atacada por um vírus psicopatológico que, rapidamente, torna-se o vilão em cima do qual tudo é depositado.
 
Olhar raso e fácil para uma sociedade que quer resolver seus problemas num clique ou em pílulas milagrosas, classificando e compartimentando pessoas para mantê-las isoladas com os seus problemas e, assim, eximir-se de toda e qualquer responsabilidade nas produções de comportamentos dos indivíduos ditos "doentes".
 
Tal situação atinge em cheio as crianças, que recebem toda espécie de rótulos numa tentativa de pais, professores e profissionais de saúde isolarem NA CRIANÇA todos os elementos de uma patologia que é relacional e contextual, construída em um campo muito mais amplo do que o "cérebro"  ou "psiquismo" da criança em questão.
 
A recente postagem compartilhada largamente nas redes sociais, intitulada "Por que as crianças francesas não tem déficit de atenção" traz dois pontos interessantes para essa discussão, que eu gostaria de comentar.´
 
O primeiro ponto, ao compararem as crianças americanas e francesas e o nível de "incidência" do bonitinho da vez, o TDAH, em cada uma das sociedades, nos mostra claramente que o que se vê depende do olhar de quem vê e dos interesses e determinantes desse olhar. Ver o problema na criança e, sobretudo, no seu " cérebro", isenta toda uma sociedade de sua responsabilidade na formação e desenvolvimento das crianças e alimenta uma indústria farmacêutica gigante que ganha milhões oferecendo formulas mágicas de se aquietar o sopro de vida que pulsa e teima em existir, da melhor maneira que encontra, em cada uma das crianças "diagnosticadas" com TDAH.
 
O segundo ponto, tão polemico quanto, é o que diz respeito as diferenças de estilos parentais na educação das crianças e que nos aponta claramente a importância dos aspectos citados no inicio do texto no que diz respeito ao caráter relacional e contextual de qualquer "patologia".
 
A afirmação de que as crianças francesas tem desde cedo um contorno claro, na forma de rotinas, regras e limites e, que portanto, não apresentariam "sintomas" atribuídos ao TDAH, é bastante significativa. Isso nos convida a repensar os significados que comumente damos as palavras agitação, concentração, limites e permissividade, dentre outras. Ou seja, nos convida a nos implicarmos na produção de comportamentos X, Y ou Z, apresentados pela criança.
 
Possivelmente, algumas objeções ao estilo parental francês poderiam ser logo levantadas por nossa sociedade tão americanizada e tão temerosa de infringir "traumas" as crianças, como por exemplo no que diz respeito ao valor "educativo" de uma palmada ou ao fato de se deixar o bebe chorando no berço.
 
Definitivamente não compartilho da crença que "um tapinha não dói" e creio que a questão do choro da criança precisa ser melhor discutida, porque há choros e choros e, portanto, é perigoso estabelecer modelos de "como fazer" sem que se consiga discriminar a função desse choro na relação e contexto daquela família.. (isso também fica para outra postagem!)
 
No entanto, creio firmemente no valor da rotina e estabelecimento de normas, regras e horários para as crianças, particularmente para as crianças até 7 anos, pois longe de ser "traumatizante", mostra-se extremamente organizador e tranquilizador. A previsibilidade de situações cotidianas é fundamental para a construção de uma percepção de mundo que gera calma, confiança e segurança. Saber que existem adultos que funcionam como "autoridades",  ou seja, como aqueles que estão autorizados pela experiência e pelo saber a mostrar alguns dos meandros desse mundo tão grande e desafiador, é extremamente reconfortante para a criança.
 
Dessa forma, sem deixar de levar em conta a real possibilidade de um diagnóstico neurológico em alguns casos, continuo acreditando que precisamos olhar para esse fenômeno com olhos críticos e, sobretudo, ampliados para uma noção de diagnóstico que leve em consideração a interação entre elementos biológicos e psicossociais, que possa olhar para configurações e redes relacionais e não somente para exames, dosagens e sintomas.
 
O debate continua na rede, inclusive com replicas, treplicas e outras postagens sobre o tema. Como psicoterapeuta de crianças dentro de uma abordagem que privilegia a visão de totalidade do ser humano e trabalha com a ideia do ser em relação, creio que o mais significativo de todo o debate é justamente volta a atenção para os limites entre ciência, preconceito, rigidez e interesses comerciais, em prol realmente da saúde e bem estar das nossas crianças.
 
O debate continua! Sejam bem vindos para expressar suas reflexões!
 
 
P.S.: Só fazendo um parênteses, é muito curioso a quantidade de compartilhamentos, inversamente proporcional a quantidade de reflexões e comentários, o que me faz ficar indagando a respeito do motivo pelo qual as pessoas compartilham coisas, sem uma reflexão maior ou um determinado posicionamento. Para que servem informações se elas não são processadas? (bem, mas isso é assunto para outra postagem..rs)
 
 
A imagem usada veio daqui, ok?














 

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