É praticamente lugar comum ouvirmos (e enunciarmos) que o psicoterapeuta é um cuidador.
Porém, por trás do discurso do "cuidado", encontramos uma significativa ameaça a tarefa clinica, uma vez que a noção de cuidado carrega um sentido claramente assistencial inerente ao uso médico do termo, onde alguém oferece seu saber em proveito de outro alguém incapacitado de cuidar de si autonomamente.
Nesse sentido, entendemos que a noção de clinica proposta pelos fundadores da Gestalt-Terapia não se configura em uma forma de cuidado, acepção que ainda assim é bastante veiculada no jargão gestáltico, mas antes em uma forma específica de reconhecimento e acolhimento daquilo que emerge espontaneamente na relação terapêutica, seja lá o que for.
Assim, quando enfatizamos que a clinica gestáltica não se manifesta em um ato de cuidado queremos alertar para a existência de uma armadilha muito comum quando o psicoterapeuta é capturado pelo desejo de cuidar.
Priorizar o cuidado, dependendo das motivações de cada psicoterapeuta, pode se traduzir em uma prática assistencialista e favorecedora da dependência e das interrupções neuróticas do cliente e do próprio psicoterapeuta e, particularmente no caso da clinica de crianças, favorecer alianças e divisões entre o “bem” e o “mal”, sejam estes representados por "crianças" e "responsáveis" ou ainda por "família" e "psicoterapeuta".
A divisão entre crianças “boazinhas e indefesas” submetidas a pais e educadores “malucos” ou ainda a de "psicoterapeuta que sabe tudo" e "família que não sabe nada", são ilustrações claras do quanto a vontade de cuidar pode retirar o psicoterapeuta de sua tarefa clinica.
No primeiro caso, ao fazer uma aliança com a criança, o psicoterapeuta atualiza muitas vezes suas próprias situações inacabadas infantis, reagindo neuroticamente às formas exibidas pelos responsáveis no lugar de descrevê-las e frustrá-las.
No segundo caso, a vontade de cuidar submete-se a uma necessidade do psicoterapeuta sentir-se importante, tomando o lugar de mestre ou de algoz da família, ao invés de propiciar a emergência e construção de novas possibilidades de convívio e relação entre seus membros.
Dessa forma, se exercermos a clinica prioritariamente como cuidadores, corremos o risco de realizar o trabalho dos nossos clientes, declarando-os inaptos e incapazes, e de sermos implicados na manutenção do status quo de sua configuração neurótica.
Tal observação é bastante importante, principalmente para jovens psicoterapeutas que muitas vezes tendem a identificar-se com um ou outro integrante da família e, sobretudo a estabelecer alianças com as crianças, obstruindo a possibilidade de ajudá-las a lidar com os pais que elas possuem.
Alianças com um dos pais, sobretudo com as mães que tentam alienar os pais do processo terapêutico ou ainda com avós que disputam a criança com filhas e noras, também são bastante comuns, uma vez que tais situações carregam apelos clássicos em psicoterapia de crianças.
A mãe que nos diz que o pai não vem “porque trabalha muito e não acredita em terapia”, a avó que liga sorrateiramente para o psicoterapeuta pedindo uma sessão em sigilo ou o pai que traz o filho para a psicoterapia sem o conhecimento da mãe a fim de provar que ela não tem os predicados para manter sua guarda, são exemplos típicos.
Em todas essas situações, percebemos que sucumbir ao desejo de cuidar, nos leva diretamente a um enredamento na teia de evitações e manipulações neuróticas da família, tornando-nos parciais e dificultando-nos o exercício da tarefa clinica.
Ou seja....trabalhamos no sentido da facilitação da autonomia e do "convite" ao poder criador de nossos clientes, de modo que ele possa andar com as próprias pernas e lidar melhor com aquilo que se apresenta a cada momento ao longo de sua existencia.
Não cuidamos nem salvamos ninguem, mas antes facilitamos o "desemperrar" de um processo de ajuste criativo na relação com o mundo, inerente a todo ser humano.
Será que estamos dispostos a abrir mão do poder e status de "salvador da pátria"???? hummmmm.....
Olá de novo.
ResponderExcluirGosto muito do blog. Só daria uma dica: mudar a fonte, que esta é muito cansativa pra ler.
Então, vindo ao post... Dá pra perceber o quanto é importante a posição neutra do psicólogo e da terapia pessoal dele, pra evitar estes arranjos contra-transferenciais.
O que não ficou claro no post pra mim, e acredito que seja mais uma questão prática, é como lidar com esses casos, que o pai traz o filho escondido ou um dos genitores não quer participar.
Qual a melhor maneira de lidar com isso?
Oi Rafael
ResponderExcluirVocê trouxe uma questão bastante importante e que é compartilhada por dez entre dez psicoterapeutas iniciantes....
Comecei a escrever a resposta, mas achei que ela ficou muito comprida...rsrs
Vou transforma-la num post, ok?
Grata pela sua participação e aguardo seus comentários!