Da mesma forma que não trabalhamos para cuidar de alguém, tampouco o fazemos para resolver seus problemas.
Perls afirmava que a Gestalt-Terapia não se interessa por problemas, mas pelas pessoas e suas possibilidades de criação diante da novidade que se apresenta a cada momento de sua existência como ser no mundo.
Em outras palavras, o interesse do gestalt-terapeuta repousa nos recursos de cada um para lidar com o que a vida possa apresentar e com a possibilidade de transformar o que encontra em algo assimilável e nutritivo.
Não nos cabe resolver os problemas apresentados pelos responsáveis, pelas instituições que abrigam a criança ou pela própria criança. Interessa-nos a habilidade que cada um deles possui (ou não) para lidar com os eventuais problemas que surgem em suas vidas, com os recursos e capacidade para criar novas alternativas mais satisfatórias e as possibilidades que temos para mobilizar tal manancial em cada um de nosso clientes.
Quando uma queixa é vista como um problema a ser resolvido ou eliminado, a manifestação da criança é considerada como algo “fora” do campo, sem nenhuma relação com os demais elementos constitutivos do mesmo.
Pais que trazem seus “filhos problema” com o intuito de obter uma resolução para seus comportamentos, não costumam ter a menor percepção de suas implicações nas manifestações da criança. Grande parte de nossa tarefa terapêutica será exatamente implicá-los na gênese e manutenção de tais manifestações, mobilizando sua participação ativa no processo terapêutico da criança.
G. tem 11 anos e é trazido para psicoterapia de modo que o psicoterapeuta descubra “porque ele é preguiçoso e não gosta de estudar”. É visto pelos pais como uma “criança ótima”, que apresenta “só esse problema”.
Em nenhum momento os pais mostram-se minimamente implicados na dificuldade escolar de G. e o apelo ao psicoterapeuta é claro: “encontre a razão do defeito e conserte-o”.
No contato com G. percebemos que além de se descrever como preguiçoso, tal como os pais o descrevem, G. se emociona e chora ao falar da tristeza da mãe com suas notas e da raiva do pai quando ele não acerta toda a tarefa de casa ou responde adequadamente aos questionários.
Na segunda sessão mostra-se bastante energizado falando do irmão mais velho, revelando uma série de sentimentos de ciúme e a presença de inúmeras comparações familiares no que diz respeito ao desempenho escolar de ambos. Queixa-se também de não ter condições facilitadoras para estudar e fala do processo de aprendizagem e do desempenho escolar como algo que não lhe pertence.
Parece-nos muito claro nesse caso o quanto que a questão apresentada por G. encontra-se totalmente embricada nas relações que o mesmo estabelece com seus familiares e que, longe de traçar com G. planos para melhorar sua forma de estudar ou suspeitar de um comprometimento orgânico na atenção ou concentração visando uma possível medicação, o trabalho do psicoterapeuta consiste em descrever e elucidar as formas habituais neuróticas que perpassam tais relações familiares e que não permitem a G. apropriar-se de sua vontade de saber, sua curiosidade e suas possibilidades de produção e criação, ficando refém do desejo da mãe que o ameaça com a preferência em relação ao filho mais velho e receoso da ira do pai.
Assim, se adotarmos o papel de solucionador de problemas, responderemos ao apelo neurotico da familia, contribuindo para manutenção da auto regulação disfuncional, contribuindo para o aprisionamento da criança no papel de "doente" ou "problemático", sem que ela possa desenredar-se da trama que a mantem nesse lugar.
Cabe ao psicoterapeuta ficar atento as suas proprias reaçoes e motivações, para que não caia no apelo familiar, abandonando a tarefa terapeutica e tornando-se mais um agente impeditivo do livre fluir do processo de desenvolvimento da criança.
Ficam as perguntas:
Em que medida conseguimos dizer "não" ao apelo dos pais e instituições?
Até que ponto podemos abrir mão de nosso próprio juizo de valor acerca do que seja um "problema"?
Convite para refletir.....
ótimo post, ótimo texto. Parabéns! Ficarei seguidor do blog para aprender mais e mais.
ResponderExcluirgrato
Luiz Carlos Flho
lucafilho@hotmail.com
Ola Luiz Carlos! Seja bem vindo!
ResponderExcluirComentários, sugestões, criticas e perguntas...todos bem vindos também!
Assim não me sinto falando para as paredes...rs
Muito grata!
Luciana